mai 10 2013

Guardião de vozes da extinção


Sem que nos demos conta, nossos ouvidos captam milhares de sons todos os dias. Eles se confundem e formam uma massa sonora que soa sem significado para muita gente. Sonoridade, porém, que não passa despercebida ao uruguaio Juan Pablo Culasso. Morador da Tijuca, ele aprendeu a apreciar tons e timbres que não costumam ser identificadas na sinfonia do dia a dia. Seus favoritos são as vozes das aves. Gosta tanto que, há 11 anos, decidiu registrar o que ouvia e estudar os animais. A atividade passou a ser um trabalho e uma luta pessoal pela conscientização do risco de extinção de várias espécies.

Culasso é deficiente visual de nascença. Aprendeu desde cedo, porém, a distinguir com precisão os mais diferentes tipos de sons. Seja pelo timbre ou afinação, consegue reconhecer ruídos e barulhos do cotidiano. Ajudaram também os anos de aulas de piano, que refinaram a percepção da variação sutil de tons. Com o tempo, o volume das notas passou a fornecer, também, uma noção de distância entre os pássaros.

— Não enxergar as aves com os olhos não significa que não as conheça. Eu as enxergo de forma diferente, por meio de suas vozes — gosta de dizer.

Na cabeça, garante ter mais de 800 vozes memorizadas. No computador, estão registrados pelo menos 25 mil sons de espécies diferentes. Muitas ameaçadas de extinção. É o caso do formigueiro-de-cabeça-negra. Há também cantos de pássaros que supostamente desapareceram de nossas matas, mas que ainda mobilizam os ornitólogos. O tietê-de-coroa é um exemplo.

— Através das gravações, posso guardar um momento que muitas vezes não se repete. São lindas canções que podem sumir com o avanço desenfreado de cidades. É um meio de conservação do patrimônio natural — afirma Culasso.

As melodias ficam registradas no site pessoal de Culasso e em CDs, que são procurados para exposições em todo o país e até programas de televisão, como sonoplastia. Juan também trabalha como instrutor de cursos de gravação de canto de aves. Em suas aulas, costuma dar aos alunos fones para que ouçam as gravações dos acordes da fauna feitas pelo professor.

O amor pelas aves começou em Montevidéu, no Uruguai. Enquanto uns viam a beleza nas cores e nos formatos dos pássaros, Culasso se impressionava pela elaboração dos cantos e pela magia dos sons variados de variadas espécies.

Desde 2002, registra os trabalhos com um gravador Marantz PMD222. Na época, foi convidado pelo biólogo Santiago Claramunt para ajudá-lo a registrar o canto do caboclinho-de-barriga-vermelha. Com pouca ou nenhuma informação sobre o aparelho, recebeu apenas uma instrução do novo amigo: este é o botão REC”.

Apaixonou-se pela atividade. Há oito anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde aprofundou os seus estudos. Hoje, conta também com uma parábola acoplada ao equipamento. A parábola é uma espécie de receptor gigante que, ligada ao microfone, permite captar uma gama complexa de ondas sonoras.

O processo de gravação dos sons não é simples como pode parecer. Culasso não consegue, por exemplo, fazer um bom registro dentro da cidade onde mora. Mesmo no interior do Jardim Botânico, isolado das ruas, o som não é perfeito.

Ao longe, o ruído de carros e até de pessoas conversando atrapalha o trabalho. A única solução é viajar para locais distantes, como para as florestas dos Campos Sulinos, no Uruguai, e a Floresta Amazônica. No estado do Rio, sua área preferida são as reservas da cidade de Cachoeiras de Macacu, cidade que fica no caminho para Nova Friburgo.

— Gravar em cidades grandes é praticamente impossível. É muito barulho. Não há um único ponto onde seja possível evitar ruídos humanos — lamenta.

O companheiro de viagem constante é o pai. Fotógrafo, Juan José Culasso complementa o trabalho do filho com imagens das aves estudadas. Sozinhos, passam fins de semana isolados, em silêncio, embaixo das árvores. Na espera de reencontrar velhos conhecidos alados ou, quem sabe, novas espécies. Quietos, pai e filho ouvem os cantos, pios, chamados e alertas que as aves vocalizam na floresta.

Como diz a frase do escritor Antoine de Saint-Exupéry que Culasso tanto aprecia, “o essencial é invisível aos olhos”.