Carta Aberta
Nossos avós não são criminosos ambientais
Prezado colega Xico Graziano:
Venho parabenizá-lo por sua crônica de 29 de Maio (OESP,A2) fazendo justiça aos pioneiros do século 19 e parte do século 20 que abriram o sertão para plantar café.
Nesta fase ingrata da mídia avassaladora, mistificando por vezes a opinião pública, principalmente dos urbanitas, é confortante, pela franqueza e realismo, ler no OESP (29/5,A2), um dos principais jornais do país:
“... cometeram uma tremenda injustiça com os nossos antepassados, equiparando-os aos criminosos da floresta. Nossos avós, definitivamente, não são criminosos ambientais, tampouco criaram “passivos’ a serem recuperados. Ao contrário, eles geraram ativos produtivos para a civilização. Como se teriam erguido, e abastecido, as cidades sem a lavra do solo virgem? Impossível. Derrubar árvores, drenar várzeas, combater peçonha foram exigências do progresso material”.
Mais adiante V. pode confundir seriamente os leitores ao fazer média com os ambientalistas caçadores de manchetes, repetindo seus chavões monótonos e cansativos ou perseguindo bruxas, ora interpretadas por “picaretas que zunem a motosserra, ...criminosos ambientais,... bandidos da floresta.”
A generalização cria um dilema para os leitores. Porque seriam hoje picaretas, criminosos e bandidos se não o eram antes? São pessoas que continuam assumindo riscos e desconforto, no afã de produzir carne vermelha, cereais e outros produtos agrícolas. Os picaretas perambulam pelas metrópoles, jamais labutam nas florestas.
Pena que o crédito aberto aos pioneiros do século 19 não tenha sido estendido a seus semelhantes do século 20, que nos anos 1970 a 1990 abriram mais de 20 milhões de ha de vegetação primária, com motosserra para plantar capim na mata pesada, com correntão para semear cereais no cerrado mais leve.
Esses desbravadores, tanto quanto nossos avós, são os responsáveis pela extraordinária expansão da agropecuária de que tanto nos orgulhamos. São ainda os fundadores e autores de uma série de cidades com IDH médio de 0,80, de que nos blasonamos
Nesses dois séculos nada teria sido feito sem as aberturas da vegetação nativa. A remoção do dossel arbóreo para possibilitar a incidência da luz solar sobre o solo é um procedimento sem alternativa no processo da fotossíntese inibido pela sombra.
Eles, os pioneiros desbravadores, removeram a sombra para produzir milhões de t de alimentos e para implantar cidades do mais alto nível. E essa produção serve para suprir as necessidades da população brasileira - crescentemente urbanizada (hoje são 85% do total) – e ainda gerar excedentes exportáveis que trazem bilhões de dólares para a nossa economia.
E não foram irresponsáveis, em relação ao interesse de seus sucessores, tornando desfavorável o ambiente da produção. O ambiente solo-água-ar se mantem em alto nível e plenamente sustentável graças às tecnologias praticadas. Muito pelo contrário, criaram em milhões de hectares uma fertilidade antes inexistente nas terras fracas de origem.
A abertura de muitos milhões de ha não comprometeu o clima local, que permanece adequado até nossos dias, nem a disponibilidade de água, ora disputada por uma população crescente. As regiões abertas no citado período abrigam hoje milhões de habitantes com elevado nível de vida.
Além do mais, o engenho humano tem possibilitado uma produção crescente de alimentos, de fibras e de bioenergia com mais eficiência do que antes por unidade de área utilizada e por unidade de trabalhador empregado.
Essas considerações nos deixam perplexos. Muito mais perplexa fica a faixa da população menos doutorada, imersa nesse mar de contradições, de sofismas e de demagogia, ora exaltada pela mídia que nos envolve e nos avassala.
Cordial abraço esalqueano
F. Cardoso